Aquele momento passou-lhe uma e outra vez pela cabeça. Perante o seu corpo morto, dentro de um caixão coberto de flores, apercebeu-se que nunca o tivera. Ele partira há muito, há tanto tempo, há uma vida. Tivera uma vida inteira longe de si. Para ele, ela era o nada, um rosto difuso, sem traços, talvez. Olhando a madeira polida à sua frente, lembrou-se de cada um dos traços. O recorte aquilino do nariz, a pequena cicatriz na fonte. Ouvia a voz jovem e confiante. O riso doce de menino-homem. Então soube. Soube que morrera. Que a sua vida acabara naquele instante longínquo que fora a última vez que o vira. E sorriu. Um riso leve e discreto, invísivel, para não incomodar aqueles que o choravam. Um sorriso breve com uma gargalhada contida. Sorriu, ao tomar consciência do próprio suicídio.
<< Home