Tuesday, July 18, 2006

O Caminho

Seguia para o seu trabalho. Vestido como todos os dias, pelo caminho de todos os dias. Mas nesse dia, nessa manhã, o ar estava mais quente do que o habitual. Talvez tenha sido isso. Ou não. Enfim, seguia sempre direito no seu fato cinzento, ligeiramente sorridente porque, alma pequena, nada mais desejava que a pequenez de todos os gestos repetíveis. Mas nesse dia, culpa do calor, talvez, seguiu o seu caminho pensando não em si, mas em todos os que seguiam o seu caminho também. Focou a sua atenção na multidão de fatos cinzentos, nos rostos levemente sorridentes. O seu sorriso foi caindo, caindo, até não ser mais do que um incompreensível esgar, confundível até com algum sinal de aborrecimento. Resolveu fingir que não era ele. Entrou num escritório que não era o seu e cumpriu obrigações que não eram suas. Durante um dia inteiro foi outro que era ele mesmo. Ao voltar a casa, fez o mesmo caminho de sempre, o mesmo caminho de todos. E cada vez se via mais igual a todos e cada vez via menos de si mesmo. Por isso a morte não lhe chegava, seria banal, igual a todos os outros. Então decidiu nada fazer. Assumiu-se como o nada que sempre fora.