Monday, November 21, 2005

Ouvia a chuva que caía torrencial lá fora anunciando uma tempestade. O vento soprava com força entre as folhas das árvores do jardim. Ela ouvia e achava que som do temporal no jardim era perfeito. Embalava-se a si mesma na cadeira de baloiço. O quarto tinha um cheiro doce, as paredes estavam forradas de papel azul e branco. Estava escuro, para não o perturbar. Ele fechava os olhos rendido ao sono e ao movimento dormente do seio que o alimentava.

Friday, November 18, 2005

De tão perfeita, a esfera era o nada. Lisa, brilhante, rolava sem parar. Não tinha falhas, por isso rolou e desapareceu sem marcas, sem marcar.

Thursday, November 17, 2005

Em cadeiras de veludo gasto aguardamos o espectáculo. Os actores são feios, tristes, pintados exaustivamente de forma patética até se tornarem reais. A história é comum e banal, mas escrita por um artista. No instante em que o actor chora e com as lágrimas apaga o blush, a base e a vergonha, no instante em que o Homem surge, choro também, sinto a Obra escondida pelo pó das cortinas de veludo azul.

Loop

O cinzento do Outono é cinzento e triste o ano inteiro quando se instala no fundo da alma. A chegada do Outono traz cor aos que são cinzentos na alma.
O vento sopra em espirais indefinidas que confundem os peões.

Tuesday, November 15, 2005

Acordar

Sentir o ar gelado da manhã fundir-se com o sangue que pulsa, quente, dormente, viscoso nas minhas veias. E deixar o sono diluir-se de forma efervescente neste soro de vida que me resgata de um qualquer lugar onírico.

Monday, November 14, 2005

Uns olhos pequenos e muito vivos sobressaiam na cara que era um mar revolto de rugas finas e profundas. E o sorriso tinha a Beleza de uma alma que desconhecia o medo da morte.
A chuva caía torrencial. Pela janela viamos que a noite chegava e sentiamos o contraste entre o frio da rua e o calor confortável da sala. O chá quente e os scones sempre foram um bálsamo para o corpo e para a alma.
Sombras de uma cidade bela, triste, soturna. Iluminada a momentos esparsos por relâmpagos longínquos. A música era nossa e dançava. Lisboa foi o nosso palco, o nosso cenário. Estávamos juntas. E riamos.

Uma fotografia

Eram minhas, eram dela. Ver as mãos de um ângulo diferente daquele a que estou habituada assustou-me. Não as reconheci. No entanto, era eu. Eram minhas, eram dela.

Tuesday, November 08, 2005

É como se concentrasse em mim todo o sal dos sete mares e apenas as minhas lágrimas fossem doces.
E quando um dia morrer, meu corpo será adorado por uma seita de vermes que me julgarão um milagre.

Caravaggio

Gostava de escrever em sfumatto.
Não há nada mais casto que um estendal de roupa branca encardida a brilhar numa noite fria e escura de Lisboa.

Esperança

Em paredes feias de becos escuros, escreve-se a vida com a côr do sol em dias de chuva.