Thursday, June 29, 2006

Viajante

O sonho da sua vida era viajar. Explorar o mundo para além dos limites atrofiados da pequena aldeia em que nascera. Ir além dos campos baços semados de trigo. Assim que se viu grande, com idade para tomar o seu lugar de gente, despediu-se dos Pais e fez-se à estrada. Caminhou sem saber, nem se importar, por onde ia. Conheceu o mundo, como quem conhece os vincos calcados na palma da mão. Passado um tempo, pouco tempo arrependeu-se. O Mundo seria o mundo por muito tempo e ele, em apenas tão pouco tempo, já tinha mudado. Ele que tudo queria conhecer, queria agora apenas saber quem era aquele nada que habitava o seu ego. Pensou em voltar a casa, a sua casa, e num espaço que era seu encontrar-se de novo. Devolver a alma ao corpo agora habitado por pouco mais do que um conhecimento estéril e uma vontade de andar, nascida da certeza da frustração que uma paragem implicaria. E então andou. Os seus passos, firmes mas não determinados, levaram-no a cada pedaço de terra e mar. Mas a sua mente estava presa e de si mesmo nada conheceu. Morreu já velho, durante a noite, numa grande cidade da América do Sul. Confundiram-no com um vulgar pedinte e enterraram-no, sem qualquer indicação, numa vala comum. Deste homem, que tudo conheceu no Mundo, nada se sabe. Apenas se adivinha a tristeza errante da solidão de quem um dia abandonou a alma como um fardo.

Friday, June 16, 2006

A mão tremia cada vez que olhava para ela. Ela parecia indiferente, embora às vezes pudesse jurar que o procurava enquanto falava. Ria-se sempre. Em público era sempre a mais animada. À sua volta reunia-se já a corte habitual. Não gostavam dela, mas no cinzento das suas vidas ela era uma miragem de côr. Ele tentava falar com outros, mas nada ouvia. Apenas o riso dela. Adorava-a à distância. E gostava de saber só suas as lágrimas que ela sempre escondia.