Friday, September 30, 2005

Debaixo de uma núvem densa e escura jogavam. A mesa tinha um tom verde baço que contrastava com o marfim colorido das bolas. Jim Morrison lançava os seus acordes por um gira-discos no canto da sala.

Thursday, September 29, 2005

Encontrou um refugio feito de belas e gastas paredes frias. De uma luz que se insinua, nua, frígida de um suor gelado feito de húmidas madrugadas que se arrastam pela calçada torpes anunciando um novo dia.

Monday, September 26, 2005

Rasgou as roupas, rasgou a pele branca e fina dos braços, rasgou todas as feições do próprio rosto. Sentiu a dor aguda e difusa do mal que infligia a si própria. Deixou o espelho intacto para que se podesse ver. Parti-lo seria demasiado dramático, demasiado banal. Parou ofegante e olhou para o seu novo ego. Sorriu com dentes ensanguentados e afastou o cabelo da cara para melhor apreciar a carne agora exposta. Era assim que o mundo a veria agora. Sem disfarces. Com todas as camadas à vista de qualquer um. Sem truques, sem mentiras, sem farsas. E os seus olhos, dantes profundos e tristes, tornaram-se pretos e baços.

Morrera o mistério. Suspirou aliviada. Agora que era nada, podia recomeçar.

Thursday, September 22, 2005

O Luigi era um peixe zarolho. Só tinha um olho. Se nos humanos isso já é problemático num peixe curioso como o Luigi poderia ser um drama. Mas o Luigi era um optimista e descobriu que só com um olho tinha de escolher para onde olhar. O Luigi preferia olhar para cima. Achava que os raios de sol dispersos pela água eram a imagem mais bonita que um peixe podia ver. O Luigi era um poeta. E morreu novo porque não viu uma manta camuflada na areia por baixo dele.

Tuesday, September 20, 2005

Os Outros aperceberam-se do sangue que lhe afluiu aos olhos. Ele sentia os tremores. Depois vieram as alucinações. Diluiu-se a fronteira entre o real e o onírico e entre o sonho e o pesadelo. Tentava falar mas a voz não era sua. Os gestos não resultavam da sua vontade. A atmosfera tornara-se hóstil e o ar não era absorvido pelos pulmões. Em pânico lutou contra o novo mundo, contra a luz que lhe feria os olhos habituados ao conforto da escuridão.

Gritou. Com a alma. No ar pairou um eco que não reconheceu. Perdera aquela batalha e rendeu-se aos sentidos.

Nascera.

Thursday, September 15, 2005

A Casa

Era grande e cheia de livros. Tinha o cheiro familiar do pó que se acumula por uma vida. Os retratos mostravam a vida de gente morta. Os insectos estavam em casa.

Tuesday, September 13, 2005

Metamorfose

Um dia acordou depois de uma noite agitada e já não era ele. Estava fechado no corpo de um homem. Na sua mente corriam pela primeira vez imagens. Era a primeira vez que sentia a mente, a alma. Funcionava não apenas por instintos. Precisava de vontade. Os insectos não desejam, não pensam, não comandam as suas vidas. Ganhara memória para saber que os dias eram todos iguais, que o sangue tem sempre o mesmo sabor doce de um néctar proíbido. A monotonia pisou-o com a violência de uma sola de sapato.

Deixou-se morrer, foi o único acto da sua vontade.

Monday, September 12, 2005

Saiu do sonho onde estava prisioneiro para as ruas cinzentas, gastas, de calçadas encardidas e cinzentas. Deixava o vento remexer-lhe os cabelos com dedos finos, frios da madrugada que despontava. Tinha umas olheiras fundas e os olhos semi-cerrados, como quem culpa o mundo da tristeza que lhe mancha a alma.

A Primeira Vez

A primeira vez que me dedicaram esta música, fizeram-no num papel arrancado à pressa de um dossier. Era, supostamente, a minha vida naquele momento.

Achei na altura - e tinha 16 anos - que era tudo menos wild. Muito menos considerava ser a piece of glass num areal qualquer, apenas à espera que me pisassem. Mas, e como sempre, há amigos que nos conhecem bem melhor do que nós mesmos. Na altura, sabia quem queria que me dominasse (e esta é uma palavra de que gosto bastante... não de uma forma S&M). Mas já ela sabia que ele nunca seria pessoa para os meus wild horses.

Há 8/9 anos atrás, numa letra redonda feita de tinta permanente (uma marca da A.), esta letra era cantada como um elogio. Hoje assusta-me que a dediquem quase como vingança...